A memória, apesar de fugaz, transporta-me para 1996. Acabo de completar 7 Primaveras. A minha irmã tem 5, idade definida pela minha mãe para obter o passaporte que nos permite transpor a Península Ibérica. Nunca tinha andado de avião. Estou no aeroporto de Sá Carneiro, com um nervoso miudinho a olhar para as escadas do avião. Os meus pais dão-me confiança para avançar. Chego ao topo das escadas e ao colocar o pé (direito, para dar sorte) no seu interior faço um apontamento mental para nunca mais me esquecer daquele momento. Nunca mais esqueci.
Foi em família que fui ensinada a viajar. Mais propriamente, a quatro. Mas já viajei sozinha, com amigos e a dois. E continuo a viajar. Agora viajamos a cinco (adição recente do Tiago à família) e tem um gosto especial.
Paris foi a primeira. Aquela que com apenas 7 anos me abriu
os olhos para o mundo. Há sempre uma viagem que nos “bate”, a nós viajantes
incautos, e nos cria uma fome insaciável de viajar. Paris foi a primeira. E a
tal.
Somos uma família de classe média. Em 1996 a conversão escudo franco era um péssimo negócio. Assim o nosso poder de compra era limitado. Dez dias em Paris exigem um orçamento elevado. Para contornar essa situação, por intermédio de um familiar, que é missionário, pedimos alojamento num seminário. Por um valor simbólico, temos hospedagem e refeições.
Nós chamávamos ao seminário, “os padres”, com a generalidade despreocupada de crianças. E quando penso neles o aroma do chá de limão invade-me a memória. A minha irmã sempre foi mais encantadora do que eu, o que fascinou rapidamente o diretor do seminário. Para nós era o “padre velhinho”. O seu rosto, há muito abandonou as minhas memórias. Mas não o do seminarista português, de cabelos negros e sorriso doce, pelo qual sofri uma enorme paixoneta.
Sempre fui curiosa, bastante mais do que o recomendado. O que causou bastantes inquietações aos meus pais. Perdia-me facilmente em qualquer lado, se o que estava a ver me interessasse o suficiente para me abstrair de tudo o resto. Em Paris é tudo novo. Ando com os olhos bem abertos, a tentar absorver tudo o que a minha memória de menina de tenra idade me permite.
Um dia acordo e não encontro os meus pais. Os meus tios
também saíram. E a minha prima, adolescente, ficou responsável por nós e pelo
irmão. Explica que os adultos saíram, foram visitar o Louvre. Aguardo o
regresso dos meus pais, com toda a indignação que me cabe no peito. Choro
compulsivamente quando chegam, porque também queria ter ido ao Louvre e agora
eles conheciam a Mona Lisa e eu não. Não sabia quem era a senhora, mas tinha
ouvido o nome em conversas e diziam que era uma mulher muito bonita. Quando a
conheci, um par de anos mais tarde, que não foram mais do que dois, separada
por hordas de japoneses, não poderia ter ficado mais desiludida. No entanto, ainda
hoje mantenho a firme opinião que deveria ter sido consultada em relação ao
assunto!
Cresci com as personagens Disney. As cassetes da Branca de
neve ou do Bambi encontravam-se sempre perto da televisão. Prontas para serem
colocadas no leitor, mal regressássemos da escola. Dois dias inteiros são
reservados para a exploração do parque, então chamado Eurodisney. A excitação
que precede a noite anterior à visita é tal que tanto eu como a minha irmã pouco
dormimos. E somos as primeiras a abandonar a cama.
Outro momento que fica gravado depois de muitos anos passados:
transpor as cancelas metálicas do parque pela primeira vez. Fico perdida e
extasiada com o que me rodeia. Oiço uma melodia doce, de fundo, e os gritos nervosos
da montanha russa começam a causar-me arrepios. Não consigo decidir por onde
começar. O meu primo resolve o problema quando me empurra, entre risadas, para o labirinto da Alice
no país das maravilhas. No final do dia, e isto conta-me o meu pai, porque não me
recordo, vou estendida a dormir no chão do metro (RER), vencida pelo cansaço, de
sorriso no rosto.
As emoções sentidas nestes dias são difíceis de descrever.
São dias com sentimentos fortes, de busca e descoberta. De passeios em museus e
monumentos, de aprendizagem constante e brincadeiras pelos jardins da cidade.
O leitor poder-se-á questionar porquê Paris. Paris tem afeições
associadas mesmo antes da viagem. Todas as crianças se deleitam a ouvir a poética
história de como os pais se conheceram. Principalmente aquelas que assistem
diariamente a contos de fadas. Paris foi o local em que os meus pais se
apaixonaram. E foi esse o local que quiseram mostrar primeiro às filhas.