Uma cidade do mundo
Berlim é a cidade com maior
preponderância no desenrolar da Historia Mundial do seculo XX. Os sinais desse
protagonismo são visíveis na cidade quer na evocação do passado quer na
atualidade.
Essa realidade a dois tempos é
facilmente constatada, em vários dos seus principais pontos de interesse a
visitar e nas vivências do quotidiano.
O poder económico, já patente no
seculo XIX, permitiu-lhes aceder através da promoção de escavações arqueológicas
extensas no Médio Oriente e posterior montagem das milhares de peças
encontradas, a estruturas impressionantes de civilizações ancestrais 600 a 700
anos antes de Cristo e que estão expostas no Pergamo Museum, uma das prioridades em qualquer programa
na cidade. A exposição de estruturas como a Porta de Ishtar e a Via
Processional (Babilonia sec.VI A.C.), o Altar de Pergamo, a Porta de Mercado de
Mileto e o interior do Palácio Assírio (sec.XII A.C.) pela sua beleza e
dimensão, são hoje difíceis de imaginar para a altura da sua construção,
revelando civilizações já muito desenvolvidas. Este museu está situado na Ilha dos Museus,
Património da Humanidade, no centro de Berlim, ideia concebida em 1810 para
albergar as coleções de arte e arqueologia reais da Prússia e com vários museus
construídos entre 1830 e 1930. São de destacar o Neues Museum que inclui o Agyptisches Museum (onde se encontra o famoso
busto da Rainha Nefertiti) e o Altes Museum (com a coleção de Antiguidades Clássicas)
onde tivemos oportunidade ver uma exposição temporária sobre a Batalha de Troia
com estátuas de mármore restauradas de várias figuras de guerreiros da época.
Nesta ilha encontramos ainda a Catedral de Berlim, com uma rica ornamentação interior e o
possibilidade de subir à base da cúpula e ter uma panorâmica de 360º sobre
aquela parte da cidade.
Em contraste, uma das mais
recentes obras arquitetónicas e para mim a mais interessante estrutura edificada
em que estive até hoje, a Cúpula do Reichstag/Bundestag representa a modernidade e a
capacidade de realização da Alemanha atual; é uma obra do arquiteto Norman
Foster que restaurou o edifício entre 1997 e 1999. Por toda a cidade é possível
observar obras de arquitetura contemporânea dos maiores e renomeados arquitetos
mundiais que foram chamados para a reconstrução dos edifícios parcialmente
destruídos durante a Guerra ou para reprojectar novas áreas em zonas centrais
completamente arrasadas.
Durante a nossa visita a Berlim,
em várias ocasiões, pudemos comprovar o poder e a atração mundial que a cidade
e o país de que é a capital têm, não só político e económico mas ao nível da
população em geral e o seu reconhecimento como padrão de desenvolvimento e
democracia:
- A multiplicidade de nacionalidades e raças a viver e a trabalhar na
cidade;
- Uma manifestação de centena e meia de emigrantes Etíopes em frente à
Porta de Bradeburgo seguida de marcha pelas ruas mais próximas, chamando à
atenção para a prisão arbitrária e assassinato de estudantes no seu país por protestarem
contra a ditadura do seu Presidente.
- Um jovem vietnamita, empregado de mesa de um
excelente restaurante vegetariano da sua nacionalidade, e que estava já há
cinco anos em Berlim a estudar.
- As notícias na televisão que mostravam centenas de refugiados de
múltiplas nacionalidades na Turquia, numa manifestação gritando Merkl, Merkl,
Merkl….
Berlim não nos deixa
esquecer os horrores do Holocausto
Voltando ao seculo XX, apesar da destruição quase completa da cidade durante a 2ªGrande Guerra e do grande investimento a todos os níveis realizado na Reunificação da Alemanha, são inúmeros os locais, museus e exposições que lembram, ou antes não deixam esquecer, o que foram muitos dos eventos mais significativos da Historia Mundial, muitos deles de um horror inqualificável e ainda hoje difíceis de explicar.
Destacaria aqui Topografia dos Terrores, impressionante exposição sobre o
surgimento do nazismo e das suas teorias de supremacia e segregação raciais,
levadas à prática numa dimensão de extermínio sistemático de judeus, russos
(eslavos), ciganos, opositores alemães ao regime e comunistas, protagonizada
pelas polícias especiais e secreta do Terceiro Reich, as SS e a Gestapo entre
1933 e 1945; este Museu, foi erguido no local onde, antes se encontravam os edifícios
sede dessas polícias e de vários dos mais importantes Ministérios do regime e
de que restaram apenas as fundações pois foram completamente arrasados pelos
bombardeamentos dos Aliados; encontramos também no seu exterior uma pequena
parte do Muro que foi preservada para lembrança.
Sobre o povo Judeu em particular, a sua cultura, evolução e protagonismo
na História, incluindo as perseguições de que foram vitimas desde o seculo XI
(pelos cristãos e cruzados, acusados de serem responsáveis pela morte de Jesus
Cristo) até ao seculo XX, aconselho vivamente uma visita ao Museu Judaico que para
alem das exposições em si mesmas é de uma arquitetura interessantíssima
combinando um edifício antigo com uma estrutura recente em vários eixos. Um
outro espaço que relembra o Holocausto Judeu é o Holocaust-Denkmal (Memorial aos Judeus Europeus Mortos), um
conjunto de centenas de campas de até 2m altura, que simbolizam os 6 milhões de
judeus e outros assassinados nos campos de concentração e que é facilmente
visitável pois situa-se muito próximo da Porta de Bradeburgo / Pariser Platz, entre esta e a Potzdamer Platz as
duas praças mais importantes e centrais da cidade.
Uma outra importante visita a
realizar é à Kaiser Wilhelm
Gedachtnis Kirche, um dos marcos mais famosos de Berlim,
combinando a torre da igreja de 1895 que sobreviveu aos bombardeamentos, com dois
edifícios de arquitetura moderna em tijolos vidrados azuis-escuros sendo um
deles a Igreja, com uma figura dourada de Cristo suspensa sobre o fundo dos
vitrais, e o outro uma Torre Sineira de 53m altura; as ruinas da Torre, com a
alcunha de “dente furado”, integram mosaicos e peças da antiga igreja bem como
uma exposição sobre a história da mesma.
Um muro, dois mundos na mesma cidade
Também no Pós-guerra Berlim
desempenhou um papel central na história subsequente até ao final do seculo;
sendo a capital do III Reich, foi a ultima cidade a capitular, tendo sido
invadida de Leste pelo exército Vermelho da Rússia e pelo Ocidente pelas tropas
Aliadas lideradas pelo exército dos Estados Unidos. A cidade foi dividida em
duas assim como a Alemanha em si, cada parte pertencendo a esferas de influência
mundiais diferentes durante um período de tensões que se chamou de Guerra Fria
e que teve o seu auge na cidade, em 1961, com a construção do Muro iniciada
durante a noite e que dividiu famílias e amigos. A construção foi realizada
pela chamada Republica Democrática Alemã, sob a esfera soviética, para estancar
a saída de população, pois até essa data 3,5 milhões de alemães orientais
tinham fugido para ocidente sobretudo através da fronteira em Berlim. Mais de
cem pessoas morreram, nos anos seguintes, ao tentar atravessar o Muro que
consistia em 66 km de gradeamento com torres de guarda, atiradores e cães na
parte Leste que matavam quem tentasse passar. O Muro perdurou até Novembro de
1989, quando pela primeira vez os Berlinenses puderam reunir-se com celebrações
na Porta de Bradeburgo seguindo-se um processo de reunificação da Alemanha
durante o qual, em 1991, Berlim voltou a ser declarada capital. Desse período,
existem vários memoriais ao longo da cidade que foram preservados e que são
interessantes para uma visita de passagem:
- Check Point Charlie
– este era um dos poucos pontos de passagem entre as duas partes da cidade,
tendo um posto de controlo aliado com esse nome; atualmente tem uma réplica
desse posto e uma exposição sobre a história do Muro e das múltiplas tentativas
e meios de fuga utilizados.
- East Side Galery
– uma parte do Muro com 1,3km junto ao rio Spree foi pintada em 1990 por
artistas de todo o mundo, tornando-se uma obra de arte única.
- Memorial às Vitimas do
Muro – em frente ao Reichstag existe um memorial com cruzes
contendo os nomes de pessoas que morreram ao tentar atravessar o Muro que
passava muito perto daqui.
Berlim volta a ser Una
A Reunificação trouxe uma transformação enorme
à cidade, com a construção de zonas e edifícios imponentes dos maiores
arquitetos mundiais como Hans Kolhoff e Renzo Piano e em contínuo crescimento.
O exemplo mais notório é a Potsdamer Platz que é o centro da nova cidade que atrai
alemães e turistas e onde se destaca o Centro Sony com uma estrutura em cúpula a cobrir uma praça
rodeada de cinemas, cafés e restaurantes; muito interessante é o enquadramento
dado à Sala do Imperador do antigo Grand Hotel Esplanade e cujas ruinas foram
preservadas no meio desta modernidade fazendo parte do novo Café Josty; uma
outra curiosidade é o Passeio da Fama de Berlim, com um pavimento vermelho e
estrelas de cinema alemãs como Marlene Dietrich, Fritz Lang ou Romy Schneider.
Muito perto da Potsdam está
construída a Kulturforum,
que consiste num complexo de Museus de Arte de que destacaria a Gemaldegalerie, com
algumas das maiores obras-primas da pintura europeia, e a famosa sala de
concertos da Orquestra Filarmónica
de Berlim.
Relativamente perto encontramos
uma outra zona renovada com uma enorme Avenida (Kurfurstendamm) de lojas e centros comerciais muito
interessantes. Nesta zona destacamos, sem qualquer dúvida as Galerias KaDeWe a merecer uma visita
sobretudo pelas suas montras exteriores, as marcas de luxo no rés-do-chão
(Dior, Chanel, YSL, etc) e na minha opinião o sexto piso com a área de
alimentação. Estas galerias existem desde 1907, num edifício com 60mil metros
quadrados de área (equivalente a nove campos de futebol) com cerca de 380 mil
produtos e é o maior centro de consumo da Europa depois do Harrods em Londres.
No sexto andar encontramos um grande mercado gourmet de luxo com produtos e
especiarias de todo o tipo e das mais variadas partes do mundo. Tudo o que
possamos imaginar numa área de alimentação com produtos da maior qualidade está
lá, conjugando a exposição dos produtos com espaços, tipo bar, onde as pessoas
se podem sentar à volta e degustar o que entenderem observando o cozinheiro a
confeciona-los. Dependendo da área de exposição podemos ter comida alemã,
italiana, asiática, sushi, argentino, marisqueira, padaria, chocolataria, etc..
e o mais surpreendente para mim um bar da Moet Chandon cheio de gente em
animada cavaqueira.
António Monteiro