domingo, 23 de março de 2014

O diário do meu primeiro Trekking (Dia 1)



11/10/2013

Hoje fiz o meu primeiro trekking. Talvez uns lhe chamem loucura, outros coragem, mas é necessário um pouco dos dois para percorrer a pé 40km em dois dias e meio, pelas montanhas e florestas do interior da Guatemala.



A nossa aventura começou em Xela, ou Quetzaltenango, a segunda maior cidade do país. Com um centro colonial muito europeu, tudo o resto, no entanto, assumiu um estilo guatemalteco. Gostava de ter conhecido um pouco melhor a cidade, mas tanto eu como a Maria estávamos exaustas. A noitada anterior em Antígua, e a viagem de 5 horas num chicken bus desumanamente cheio, contribuíram para que fossem necessárias algumas horas até o meu corpo se recompor. Para além disso, iniciantes nestas caminhadas tiramos o resto do dia para nos mentalizarmos do que nos esperava no dia seguinte.


6:30h da manhã. Já todos (e com todos refiro-me a um grupo de 20 a 30 em número e idades, maioritariamente europeus, mas também alguns americanos, canadianos e australianos) nos encontrávamos na Casa Argentina, o ponto de encontro da Quetzeltrekkers. Esta é provavelmente a maior agência de trekking do país e organiza diversas expedições na região. Foi fundada em 1995 por voluntários estrangeiros e locais, com o objectivo de reverter os benefícios do aumento do turismo na cidade em favor do enorme número de crianças que viviam nas suas ruas. Felizmente, tem vindo a crescer nos últimos anos, o que lhes permite, neste momento, auxiliar mais de 200 crianças. Eramos esperados por cinco voluntários, que foram também os guias e cozinheiros dos dias seguintes.


Depois de uma caminhada de 20 minutos e outros 20 de chicken bus chegamos ao nosso destino. Xecam é uma pequena aldeia com meia dúzia de casas que foi o ponto de partida do primeiro dos longos 20km que nos esperavam pela frente nesse dia.


A subida do Vale de Xela é extremamente íngreme, dura um par de horas, não tem qualquer tipo de apoios e é feita por trilhas que desbravam a selva. Quando, por vezes, as árvores se tornam menos densas obtêm-se vistas magníficas do vale e da cidade.


Tenho que confessar que só as apreciei devidamente no dia seguinte, quando as vi através do olhar da minha máquina fotográfica. Porquê? Bem, para além da subida extenuante que estava a enfrentar, também lutava contra a minha mochila que continha as minhas coisas pessoais, saco cama e colchão, uma enorme panela para o almoço e 4litros de água, puxando-me insistentemente para trás. Duvidei várias vezes se fui feita para estas aventuras e secretamente desejei nunca ter dado ouvidos ao meu amigo israelita que me incentivou a ir.


Mas, como referido pelos guias, no dia anterior durante o briefing, quem sobreviver às primeiras duas horas, também sobrevive aos dias que se seguem. Algo que repeti inúmeras vezes para mim mesma durante as referidas horas.
Saímos da floresta, para um planalto de erva alta e seca, onde atingimos o ponto mais alto da nossa caminhada, a cerca de 3050m de altitude, no topo do vale. Este é conhecido pelas povoações locais como Alaska.


O resto do dia foi quase todo passado a percorrer uma floresta nublosa, por trilhos estreitos, por vezes tão engolidos pelos ramos que tinha que esperar por um dos voluntários para saber qual o caminho a seguir.


Foi a minha primeira vez numa floresta deste tipo. O silêncio é esmagador. A neblina cobre as árvores e envolve-nos sorrateiramente, pairando à nossa volta. A palavra que melhor a descreve é misteriosa.


Estes trilhos não são apenas utilizados por nós. Homens de idade com as suas mulas, mulheres com filhos pelas mãos, cabras e crianças que carregam mais quilos de lenha às costas do que o próprio peso.


Pedi a quatro meninos por quem passei, que deveriam ter menos de 10 anos, para fotografá-los. Deitaram-me um olhar assustado e depois um sorriso tímido perante a máquina. Estavam mais carregados do que eu. Senti-me envergonhada por me ter queixado tanto durante a caminhada.


De vez em quando, o sol aparecia, limpando a neblina. Quando coincidiu com uma abertura nas árvores estaquei. Estava perante uma imagem maravilhosa. No topo das montanhas, uma imensidão de verde a perder de vista, com profundos vales, e uma sensação de paz indiscritível.


Almoçamos numa clareira, no meio da floresta, suficientemente grande para todos se poderem sentar. Todos carregávamos, mais ou menos equitativamente (bem, a minha panela era mais pesada do que tudo o resto!), o necessário para os guias nos prepararem um almoço bastante melhor do que o que esperava.



Com a barriga bem mais aconchegada e uma vontade enorme de dormir, continuamos a nossa descida até alcançarmos uma estrada enlameada que abraça um dos lados do vale que percorremos nas restantes horas.




5h da tarde. Chegamos finalmente a  Santa Catalina Ixtahuacan, depois de 11h de caminho, lágrimas nos olhos, cansada, mas vencedora.


A aldeia tem uma pequena praça com duas mercearias e uma escola onde iriamos pernoitar. A desejar como nunca um banho quente e uma cama confortável olhei desoladamente para o meu saco-cama.


Enquanto os guias preparavam bebidas quentes e o jantar, fomos, em grupos de 3 de cada vez, para o temascal de uma família local. O temascal é uma espécie de sauna, um compartimento em pedra utilizado pelos indígenas para purificar os corpos através de vapores quentes. O nosso tinha água fria para misturarmos com a que fervia para nos podermos lavar. Foi a sauna mais estranha em que já estive, mas soube-me maravilhosamente bem.


Às 19h já dormia profundamente no meu saco-cama.


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