terça-feira, 27 de setembro de 2016

Mihintale, o berço do Budismo no Ceilão

A madrugada já vai a meio em Anuradhapura. Estou desperta. A dificuldade em acordar depois da alvorada é uma constante em viagem. Principalmente em destinos tropicais. O quarto amplo, com fendas rústicas no telhado, permite que o amanhecer espreite entre as frinchas. A luz ilumina um terceiro elemento. Parece que de noite tivemos companhia. Uma sardanisca observa-me curiosa.
Lá fora, a floresta é assombrosa na sua orquestra. O ruído é tal que me questiono como é que os outros hóspedes se mantêm a dormir. O céu está carregado. A densidade do ar é palpável nas pequenas gotículas que se formam na pele. Ainda é cedo para explorar a cidade. Por isso, completamente despertos, decidimos sair para fazer jogging. Embrenhamo-nos em ruas sombrias. Evitamos constantemente as poças de água cinzentas, que, estáticas, espelham o céu. A chuva tem sido uma constante desde que chegamos. E a premonição é que continue.

A cidade acorda lentamente. As crianças são as primeiras a colocar os pés na estrada, perfeitas no seu rigor. Vestem uniformes brancos imaculados, que não detêm uma nódoa e onde não se esquadrinha uma ruga. As saias plissadas condizem com mestria com as tranças negras, uma moda seguida pelas meninas cingalesas. Há mulheres de vestidos compridos e malas ao ombro à porta de casa, que parecem esperar por transporte. E homens que pedalam bicicletas decrépitas na berma da estrada e nos cumprimentam com sorrisos.
Regressamos ao hotel. O chefe da cozinha cumprimenta-nos com um pequeno almoço farto e o mesmo sorriso com que ontem pediu para ser fotografado ao lado do Tiago.
Finalmente, dirigimo-nos à primeira visita do dia: Mihintale aguarda-nos a poucos quilómetros de distância. A meio do caminho, e como previsto, a chuva cai, pesada. 


O Complexo de Mihintale

A lenda

Mihintale, traduzido à letra, significa colina da Mahinda.
Reza a lenda que o imperador Asoka, chefe do Império Maurya, presente na Índia antiga, enviou o seu filho, Mahinda, para terras cingalesas para difundir os ensinamentos de Budha e converter as populações locais. Ao chegar ao Sri Lanka no ano 247 a.c., mais especificamente a Mihintale, Mahinda ensina a sua fé ao rei vigente, de seu nome Devanampiyatissa. Esta é rapidamente acolhida pelos súbditos do rei. O monarca, convertido, torna o Budismo na religião maioritária do país, e que ainda hoje vigora na ilha. Mihintale torna-se então o berço da religião budista no Ceilão.

Vejja Sala
O primeiro local que nos salta à vista, dada a sua localização próxima da entrada para o complexo, é o antigo hospital (Vejja Sala). Facto impressionante é a data da sua construção: o século III a.c., 400 anos antes do primeiro hospital ter sido edificado na Europa. 

As ruínas que restam deixam-nos imaginar a disposição dos vários quartos, todos sem portas, para que a estátua de Budha, colocada no centro, pudesse velar por todos os doentes. Durante as escavações foram encontrados diversos artefactos, nomeadamente almofarizes, utilizados para formulações com ervas medicinais. Isto preconiza um enorme avanço na medicina para a época. 

Kantaka Cetiya
Em todo o complexo estão presentes diversos santuários, unidos por 1840 degraus. O mais antigo, e provavelmente um dos primeiros a ser erguidos algures no século II a.c., é o Kantaka Cetiya. A stupa (representação simbólica da mente de Budha) assenta numa enorme base de 130metros, com três degraus. Esta apresenta quatro altares com figuras de animais que encaram os quatro pontos cardinais: o leão a norte, o cavalo a oeste, o elefante a este e o touro a sul.

Dana Salawa
Após o segundo lanço de escadas deparamo-nos com as Placas de Mihintale, duas grande lápides preenchidas com inscrições medievais, que detalham as regras e regulamentos seguidos pelos monges locais. Logo atrás destas, restos de vigas de pedra, que outrora suportaram edifícios de madeira, formam as ruínas do antigo refeitório (Dana Salawa). Destacam-se duas colossais vasilhas vazias, escavadas em dois enormes blocos de rocha. Estas eram carregadas diariamente por arroz, doado aos monges por locais devotos.

Ambasthala Dagoba
Esta stupa, Ambasthala Dagoba, marca o local onde Mahinda encontrou o rei Devanampiyatissa. O Aruna, o nosso motorista-guia, conta-nos que no interior da stupa ainda lá se encontram os restos da árvore onde Mahinda converteu o rei. Em redor deste templo erguem-se duas pequenas montanhas. Uma tem uma enorme estátua de Budha sentado que olha, omnipresente para baixo. A outra, chamada de Rocha da convocação, onde Mahinda convocou a população para o seu primeiro sermão.

Estes são apenas alguns, dos vários locais de interesse a visitar na antiga cidade. Por ser mais pequena e viver à sombra das antigas capitais do Sri Lanka, Anuradhapura e Polonnaruwa, é também menos visitada pelos turistas, sentindo-se uma atmosfera mais autêntica.